Caros todos. Bem Vindos

Caros todos. Bem vindos. Por sermos eternos aprendizes, solicito suas críticas e comentários aos meus escritos. Obrigado.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

" AS FLORES DO MAL "





 Je Suis Charles Baudelaire –
(O Perverso)

 Se a vida econômica e social de Baudelaire era um completo caos, o seu talento literário cresceu vertiginosamente. Tornou-se um influente crítico de arte, destacando-se nas mostras anuais de pintura e de escultura, conhecidas como “Salão”. A partir do Salão de 1845, a sua crítica de arte avançou os costumes da época, definindo o princípio que iria seguir vários artistas de então.
Em 1847, lançou “Fanfarlo”, único romance que escreveu, constituindo uma obra autobiográfica. No ano seguinte, em 1848, envolver-se-ia na revolta que assolou a França, ajudando na publicação de alguns jornais de protestos radicais. Não teve grande atuação no levante, saindo sem que se prejudicasse.
A partir de 1852, Baudelaire passou a traduzir para o francês os textos do escritor norte-americano Edgar Alan Poe, de quem era um acirrado admirador. Concluiria a tradução em 1865.
O momento mais importante e polêmico da vida e da obra de Baudelaire, dar-se-ia em 1857, quando da publicação da primeira edição de “As Flores do Mal”. Considerada a obra-prima de Baudelaire, “As Flores do Mal” trazia um volume com cem poemas. Numa linguagem inovadora, que oscilava entre o sublime e o grotesco, numa imposição lírica à realidade fria da vida. Ao abordar temas controversos para a época, como o lesbianismo e o satanismo, o livro escandalizou os leitores e os críticos. A edição foi publicada por um velho amigo do poeta, Poulet-Malassis. Menos de um mês após ser posto à venda, o livro sofreu uma mordaz crítica do jornal “Le Figaro”, com efeito devastador na carreira de Baudelaire, sendo estigmatizado como poeta maldito. Baudelaire e o seu editor, Poulet-Malassis, foram acusados de obscenos, de atentarem à moral e aos bons costumes, sendo multados em quinhentos francos, sendo trezentos pagos pelo poeta e duzentos pelo editor do livro. Seis poemas foram considerados demasiadamente imorais, sendo-lhes proibida a publicação. Baudelaire escreveria seis novos poemas para substituí-los.
Em 1861, quando do lançamento da segunda edição, acrescentaria outros trinta e cinco poemas. A edição completa, trazendo os poemas proibidos, só seria publicada a partir de 1911, muitos anos após a morte do autor.
Por muito tempo Baudelaire frequentou o famoso “Club des Hashishins”, formado por um grupo de fumantes de haxixe que se reuniam no Hotel Pimodan, onde o poeta viveu por um bom tempo. A experiência com as drogas resultaria no livro “Paraísos Artificiais, Ópio e Haxixe”, publicado em 1860, trazendo uma confissão pessoal e especulação sobre plantas alucinógenas, que teve inspiração parcial na obra do escritor inglês Thomas de Quincey, “Confissões de Comedor de Ópio”.
(Baudelaire alerta que um Estado racional jamais poderia subsistir com o uso do haxixe: “Este não produz nem guerreiros nem cidadãos. Na verdade, o haxixe é proibido ao homem sob pena de degradação e morte intelectual, de transformar as condições primordiais de sua existência e romper o equilíbrio de suas faculdades com o meio. Se existisse um governo interessado em corromper os seus governados, bastaria encorajar o uso do haxixe. É possível imaginar um Estado onde todos os cidadãos se embriagassem de haxixe? Que cidadãos! Que guerreiros! Que legisladores!”. Hipócrita, omisso e perverso, ao se esquivar de discutir os inevitáveis “Paraísos Artificiais”, nosso Estado apresenta-se conivente aos “Infernos Reais” BAUDELAIRE, Charles. Paraísos Artificiais – O haxixe, o ópio e o vinho. Ed. L&PM Pocket (1998) São Paulo, SP..)
Baudelaire ainda tentou candidatar-se à Academia Francesa de Letras, na esperança de agradar à mãe, elevar a sua carreira de escritor e perder o estigma de poeta maldito. Mas teve a sua pretensão desencorajada pelos amigos.

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Segundo Lacan, o perverso necessita, muitas vezes, de um fetiche para a obtenção de prazer, já que não consegue simbolizar a angústia provocada, pela falta. A construção do fetiche “serve” para dar conta do que é da ordem do real. E essa construção é feita por deslocamento. Trata-se de uma formação defensiva inconsciente. O fetiche serve para “tamponar” a castração, que é angustiante. Esta, é admitida e recusada pelo perverso que, depois, recalca esta recusa. O perverso recusa qualquer simbolização da falta materna, já que a mãe se mostra como ser desejante, portanto, faltosa.
O perverso não quer se haver com seu desejo. Para tanto, ele acredita ser completo. E, assim, ele se coloca como objeto de gozo do Outro, e coloca o outro (as pessoas) apenas como instrumentos facilitadores de seu gozo. Ele acredita ter o falo e, por isto, tem o comportamento de desafio perante a lei, já que ele acredita ser mais do que a lei. Mas ele precisa da lei, para poder desafiá-la. E é neste constante desafio e comportamento transgressor, provocando angústia inesperada no outro, que faz surgir seu gozo
É interessante mencionar que o perverso busca sempre o mais-gozar, relacionado a um gozo fantástico impossível de ser alcançado. Além disso, é fundamental entender que, a cisão do eu, instaurada pela recusa, fundamentaria uma labilidade argumentativa, onde o perverso diz e desdiz qualquer coisa que lhe poupe angústia na situação em que estiver envolvido, sem compromisso com o que mencionou.
     Lacan vai a partir do fetiche, apresentar a estrutura de toda a perversão, ao mostrar a dupla função do véu e da cortina. Assim,
O véu é a um só tempo o que esconde e o que designa. Na perversão, trata-se, para o sujeito, de esconder a falta fálica da mãe, embora designe com a ajuda do véu, a figura daquilo de que há falta [...] O véu esconde o nada que está para além do Objeto enquanto desejo do Outro: a mãe não tem o falo. Mas, ao mesmo tempo e mesmo assim, o véu é o lugar onde se projeta a imagem fixa do falo simbólico: a mãe tem o falo. (JULIEN, 2002, p.111-112)
Ainda segundo Lacan, a projeção da imagem fálica que esconde o Nada é o que o sujeito coloca diante dele, e isto determina algumas perversões como: fetichismo, masoquismo, voyeurismo e homossexualidade feminina. Mas o fetiche pode ser colocado atrás do véu, onde o sujeito se identifique com a mãe, e isto também determina perversões como: transvestismo, sadismo, exibicionismo e homossexualidade masculina. (apud JULIEN, 2002).
Assim, “todo gozo fálico é perverso, isto é, estabelece relação sexual graças ao Outro, completo“.
Diferentemente, do que ocorre na neurose, na perversão é a partir do primeiro supereu, aquele do tempo primordial, que o perverso vai fixar sua lei, o imperativo de seu gozo, pois, de acordo com Chaves (2004, para. 17): 
O gozo perverso está no desafio ao pai e na transgressão de suas leis, na compulsão à repetição e na satisfação pulsional sádica e masoquista. O perverso (...) goza de transgredir as leis do pai e de desafiá-lo ao extremo de usurpar o seu lugar e o seu poder, fazendo da Lei, a lei de sua própria pessoa - melhor dizendo, a lei de seu supereu arcaico, que lhe ordena: "goza!" 
A forma como esse momento da constituição psíquica infantil se dá na constituição do sujeito perverso remete ao período denominado de pré-edipiano, que é marcado pela ocorrência e prevalência da relação imaginária mãe-criança-falo. Nesse período, a criança acredita que à mãe nada falta. Quando ela percebe que a mãe não é dotada de pênis, há a recusa da aceitação deste fato, daquilo que é percebido como castração da mãe, ou seja, a criança percebe e recusa, ao mesmo tempo, a falta fálica de sua mãe, da qual se defende por meio de uma operação de defesa que Freud denominou de desmentido (Verleugnung), um modo de defesa que será constitutivo, segundo Lacan, da estrutura perversa, a saber, do modo como nela se dá a relação do sujeito com o significante da falta. (Valas, 1990)
 O desmentido é um mecanismo de defesa por meio do qual o sujeito se recusa a reconhecer a realidade de uma percepção negativa, no caso, a ausência de pênis na mulher (Roudinesco, 1998, p. 656). É precisamente por meio dessa negação da castração, que esta se torna presente, fator que irá diferir o sujeito perverso do sujeito psicótico. No perverso, existe recalque (da castração materna), portanto ele está inserido no contexto simbólico e reconhece a diferença sexual. Ele sabe que deveria haver um objeto lá, mas reconhece que não há, detendo-se na sua observação. Por isso, ele produz esse objeto – o fetiche – como substituto fálico da mãe castrada.
Ao erigir esse substituto, o objeto herdará todo o interesse que outrora fora voltado para o pênis. Além disso, o objeto fetiche não permitirá que o perverso esqueça o horror frente à castração, já que ele o trata como uma cena de representação desta (Freud, 1927/2006).  É oportuna a colocação de Chaves (2004) quando afirma que:
  
(...) O objeto fetiche (falo imaginário) representando o pênis que falta à mulher, renega tão bem a castração materna que o sujeito, mesmo dividido em seu eu, se protege tão bem da "senhora" angústia - relacionada à mãe castrada - que até parece nunca tê-la conhecido.
 O sujeito perverso produz o fetiche no momento em que a observação do corpo da mãe se interrompe. Por isso, muitas vezes o sapato, a barra do vestido, por exemplo, pode assumir a função de substituto daquilo que não é visto, mas que é formulado como sendo aquilo que a mãe possui, a saber, o falo imaginário (Lacan, 1956 – 1957 / 1995).

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Baudelaire, Charles. As Flores do Mal .São Paulo: Círculo do Livro, 1995.
Freud, S. (2006) O problema econômico do masoquismo (1924) In: J. Srachey (Ed. e    J. Salomão, Trad.) Edição Standart Brasileira das obras psicológicas completas    de  Sigmund Freud. (Vol. 19, p,p. 175-188). Rio de Janeiro: Imago. (Original    de   1924). 
Freud, S. (2006). Fetichismo. In: J. Srachey (Ed. e J. Salomão, Trad.) Edição    Standart Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. (Vol.    21, p.p. 151-160). Rio de Janeiro: Imago. (Original de 1927).
Lacan, J. (1995). O Seminário. Livro 4: A relação de objeto (Dulce Duque  Estrada,Trad.) Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Original de 1956 - 1957).


A POESIA, EM SI.

Heautontimoroumenos (tradução)

Sem cólera te espancarei,

Como o açougueiro abate a rês,
Como Moisés à rocha fez!
De tuas pálpebras farei, 

Para o meu Saara inundar,
Correr as águas do tormento
O meu desejo ébrio de alento
Sobre o teu pranto irá flutuar

Como um navio no mar alto,
E nem meu saciado coração
Os teus soluços ressoarão
Como um tambor que toca o assalto!

Não sou acaso um falso acorde
Nessa divina sinfonia,
Graças à voraz Ironia
Que me sacode e que me morde?

Em minha voz ela é quem grita!
E anda em meu sangue envenenado!
Eu sou o espelho amaldiçoado
Onde a megera se olha aflita.

Eu sou a faca e o talho atroz!
Eu sou o rosto e a bofetada!
Eu sou a roda e a mão crispada,
Eu sou a vítima e o algoz!

Sou um vampiro a me esvair
– Um desses tais abandonados
Ao risco eterno condenados,
E que não podem mais sorrir!
  
Héautontimorouménos (original)

Je te frapperai sans colère 

Et sans haine, comme um boucher,
Comme Moïse le rocher
Et je ferai de ta paipière,

Pour abreuver mon Saharah
Jaillir les eaux de la souffrance.
Mon désir gonflé d’espérance
Sur tes pleurs salés nagera

Comme un vaisseau qui prend le large,
Et dans mon coeur qu’ils soûleront
Tes chers sanglots retentiront
Comme un tambour qui bat la charge!

Ne suis-je pas un faux accord
Dans la divine symphonie,
Grâce à la vorace Ironie
Qui me secoue et qui me mord

Elle est dans ma voix, la criarde!
C’est tout mon sang ce poison noir!
Je suis le sinistre miroir
Où la mégère se regarde.

Je suis la plaie et le couteau!
Je suis le soufflet et la joue!
Je suis les membres et la roue,
Et la victime et le bourreau!

Je suis de mon coeur le vampire,
– Un de ces grands abandonnés
Au rire éternel condamnés
Et qui ne peuvent plus sourire!