Caros todos. Bem Vindos

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sexta-feira, 24 de maio de 2013

O VELHO. INTERNA ELE, VAI?

É dia de realização de Exame Psicossocial e Avaliação Psiquiátrica.
Os bancos postados no corredor do subsolo do fórum da comarca de Marília, onde esses exames ocorrem, estão lotados. Alguns dos futuros periciados permanecem sentados, quietos, cabisbaixos. Outros evidenciam uma ansiedade singular. Há acompanhantes. Alguns, também, irrequietos, andam de um lado para outro. O burburinho aumenta com o passar do tempo. O início está marcado para 9:00 horas.
De repente, silêncio total. O psiquiatra chegou. Nem todos passarão pelo seu crivo. Somente os que farão exame de avaliação psiquiátrica. Os demais serão avaliados pela equipe multidisciplinar composta de assistentes sociais e psicólogas.
A secretária do psiquiatra, munida de uma lista, faz a chamada dos que serão por ele entrevistados.
Hoje o dia é dedicado para avaliação psiquiátrica para interdição e curatela de idosos. Normalmente, pedido por um parente próximo. 
A interdição bem como a curatela são procedimentos legais previstos em nosso Código Civil, no artigo 1.767. Segundo esse artigo, estão sujeitos à curatela, que é um ato de interdição, aquelas pessoas que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil.
A curatela dos adultos incapazes abrange: os anteriormente citados, bem como os psicopatas, alienados mentais ou excepcionais sem discernimento ou sem completo desenvolvimento mental.
Também os deficientes mentais, dementes, imbecis, dipsômanos (alcoólatra)  ou ébrios habituais, toxicômanos que, por serem portadores de enfermidade mental ou déficit de inteligência, congênito ou adquirido, são incapazes de dirigir suas pessoas e bens.
A idade avançada, por si só, não é motivo para determinar a interdição de pessoa que tem condições psíquicas normais para sua faixa etária os que, por outra causa duradoura,  não puderem exprimir a sua vontade, como p. ex. os inconscientes, por terem sofrido traumatismo craniano provocado por acidente, ou os surdos-mudos que não tenham recebido educação apropriada que lhes possibilite emitir sua vontade, os pródigos, isto é, aqueles que dissipam, desordenadamente, seus haveres, para preservar os interesses de sua família.
Na maioria das vezes, esse artigo vem combinado com os artigos 3º e 4º que determinam a noção de incapacidade, a incapacidade absoluta, os conceitos para os menores de dezesseis anos, a falta de discernimento resultante de enfermidade ou doença mental e a impossibilidade transitória para exprimir-se a vontade.
Pois bem.
Entra o primeiro. De inopino, surge certo antagonismo entre pai e filho.
Vou me ater a esse caso.
Diz respeito a um idoso com visível comprometimento em seu discernimento bem como quanto à sua capacidade mental, com consequência imprevisíveis para os  atos da vida civil.
Trata-se de um senhor negro, de 62 anos de idade, de compleição forte, bem trajado, com todos os cabelos brancos. Raro em sua idade e raça. Mal tinha noção ao que estava sendo submetido. Sorria com muita facilidade. Efeito das pílulas da felicidade que toma diariamente.
O filho, que o acompanhava, foi quem entrou com o processo de interdição.  Insistia, em todas as possibilidades a que tinha de manifestar-se, da necessidade da internação compulsória do pai.
Relatou que o pai, depois que se separou de sua mãe, aposentou-se e fora morar sozinho. O motivo da separação era que o pai bebia muito, ficava agressivo  e a mãe não o suportava. Com a maioridade dos filhos, houve a separação e o pai ficou só.
Recentemente, fora atendimento pelo Resgate do Corpo de Bombeiros porque tivera um mal súbito e desmaiara na via pública. Após o atendimento fora diagnosticado como tido um AVC.
A partir desse fato, os familiares, que até essa data estavam alheios à sua vida, passaram se importar a com ele.
O filho relatou que apesar de morarem muito próximos, pouco contato tinham com ele. Só ficara sabendo do ocorrido porque os policiais bem como o hospital onde fora atendido, perguntaram-lhe o nome de parentes próximos bem como endereço deles.
Ficaram sabendo que o motivo do mal súbito fora um mini AVC e que, provavelmente, já tivera outros anteriores. Também não descartaram a hipótese de ser acometido por outros futuros.
Assim, os familiares, sem consultarem a opinião do próprio interessado, entraram com o pedido de interdição para gerirem sua vida e seus haveres. Esses, constituídos de um imóvel e de sua aposentadoria.
O interditado, ora entrevistado, discordava totalmente dessa decisão unilateral já que, com a separação da antiga mulher, havia formado nova família com nova companheira em com ela tivera mais dois filhos. Essa agora, sim, era a sua família.
Era possível notar-se que, quando questionado e podendo fazer suas raras ponderações, exaltava-se, irritava-se com o filho e mostrava certo tremor nos membros superiores.
O filho também relatou que após o acidente, esteve na casa do pai e ficou estarrecido com o que lá viu. Seu pai é um colecionador. Tudo o que acha ou vê pela rua, leva para a sua casa como um troféu ou algo que, futuramente, poderá ter alguma utilidade.
Foram necessárias três viagens completas, por um caminhão, para que se removesse totalmente o entulho e objetos colecionados pelo pai ao longo desse período.
No catálogo internacional de doenças (CID-10), esse transtorno é caracterizado por ideias obsessivas ou por comportamentos compulsivos recorrentes. Os comportamentos e os rituais compulsivos são atividades estereotipadas repetitivas. O sujeito não tira nenhum prazer direto da realização destes atos, os quais, por outro lado, não levam à realização de tarefas úteis por si mesmas. O comportamento compulsivo tem por finalidade prevenir algum evento objetivamente improvável, frequentemente implicando dano infligido ao sujeito ou causado por ele, que ele, teme que possa ocorrer. O sujeito reconhece habitualmente o absurdo e a inutilidade de seu comportamento e faz esforços repetidos para resistir-lhe. O transtorno se acompanha quase sempre de ansiedade. Essa ansiedade se agrava quando o sujeito tenta resistir à sua atividade compulsiva.
No decorrer da Anamnese o psiquiatra diagnosticou-o como portador de demência vascular, classificando-o como 01.0 que é Demência Vascular de Início Agudo que se desenvolve usual e rapidamente em seguida a uma sucessão de acidentes vasculares cerebrais por trombose, embolia ou hemorragia. Em casos raros, a causa pode ser um infarto único e extenso.
Em vista desse diagnóstico, o psiquiatra, houve, por bem, em acatar os argumentos inseridos na petição de interdição, dando-o como incapaz de responder por seus atos civis. Consequentemente, com esse parecer, a interdição se consumará.
A parte médica estava pronta. Faltava a familiar e social.
O filho insistia na interdição total do pai, para que pudesse gerir seus negócios. Esse negócio consiste no recebimento de sua aposentadoria e, consequentemente, por seu livre arbítrio fazer dela o que quiser. As prioridades financeiras dependeriam totalmente de seu direcionamento.
A ex-mulher prontificara-se apenas para lavar suas roupas e nada mais.
O filho disse que ele poderia fazer as refeições em sua casa; porém, deveria respeitar os horários dele e de sua família.
Quanto à casa, quer vende-la sem que os dois outros filhos, de seu segundo casamento, tenham participação no valor. O que é ilegal.
Quando questionado como faria para dar banho no interditado bem como fazer a troca de suas roupas, o filho disse que, tinha muitas outras ocupações, principalmente com sua mulher e filhos e que pouco tempo teria para essas atividades.
Questionado para a resolução dessa pendência, sugeriu ao psiquiatra:
“Porque, então, o senhor não o interna?”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CID-10. Organização Mundial da Saúde, Edusp. Editora da Universidade de São Paulo, SP, 1.997.

DINIZ, Maria Helena. Capítulo II, Da Curatela, seção I, Dos Interditos, Código Civil Anotado, Editora Saraiva, SP, 2.005.