É
dia de realização de Exame Psicossocial e Avaliação Psiquiátrica.
Os
bancos postados no corredor do subsolo do fórum da comarca de Marília, onde
esses exames ocorrem, estão lotados. Alguns dos futuros periciados permanecem
sentados, quietos, cabisbaixos. Outros evidenciam uma ansiedade singular. Há
acompanhantes. Alguns, também, irrequietos, andam de um lado para outro. O
burburinho aumenta com o passar do tempo. O início está marcado para 9:00
horas.
De
repente, silêncio total. O psiquiatra chegou. Nem todos passarão pelo seu
crivo. Somente os que farão exame de avaliação psiquiátrica. Os demais serão
avaliados pela equipe multidisciplinar composta de assistentes sociais e
psicólogas.
A
secretária do psiquiatra, munida de uma lista, faz a chamada dos que serão por
ele entrevistados.
Hoje
o dia é dedicado para avaliação psiquiátrica para interdição e curatela de
idosos. Normalmente, pedido por um parente próximo.
A
interdição bem como a curatela são procedimentos legais previstos em nosso
Código Civil, no artigo 1.767. Segundo esse artigo, estão sujeitos à curatela,
que é um ato de interdição, aquelas pessoas que, por enfermidade ou deficiência
mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil.
A
curatela dos adultos incapazes abrange: os anteriormente citados, bem como os
psicopatas, alienados mentais ou excepcionais sem discernimento ou sem completo
desenvolvimento mental.
Também
os deficientes mentais, dementes, imbecis, dipsômanos (alcoólatra) ou ébrios habituais, toxicômanos que, por
serem portadores de enfermidade mental ou déficit de inteligência, congênito ou
adquirido, são incapazes de dirigir suas pessoas e bens.
A
idade avançada, por si só, não é motivo para determinar a interdição de pessoa
que tem condições psíquicas normais para sua faixa etária os que, por outra
causa duradoura, não puderem exprimir a
sua vontade, como p. ex. os inconscientes, por terem sofrido traumatismo
craniano provocado por acidente, ou os surdos-mudos que não tenham recebido
educação apropriada que lhes possibilite emitir sua vontade, os pródigos, isto
é, aqueles que dissipam, desordenadamente, seus haveres, para preservar os
interesses de sua família.
Na
maioria das vezes, esse artigo vem combinado com os artigos 3º e 4º que
determinam a noção de incapacidade, a incapacidade absoluta, os conceitos para
os menores de dezesseis anos, a falta de discernimento resultante de
enfermidade ou doença mental e a impossibilidade transitória para exprimir-se a
vontade.
Pois
bem.
Entra
o primeiro. De inopino, surge certo antagonismo entre pai e filho.
Vou
me ater a esse caso.
Diz
respeito a um idoso com visível comprometimento em seu discernimento bem como quanto
à sua capacidade mental, com consequência imprevisíveis para os atos da vida civil.
Trata-se
de um senhor negro, de 62 anos de idade, de compleição forte, bem trajado, com
todos os cabelos brancos. Raro em sua idade e raça. Mal tinha noção ao que
estava sendo submetido. Sorria com muita facilidade. Efeito das pílulas da
felicidade que toma diariamente.
O
filho, que o acompanhava, foi quem entrou com o processo de interdição. Insistia, em todas as possibilidades a que
tinha de manifestar-se, da necessidade da internação compulsória do pai.
Relatou
que o pai, depois que se separou de sua mãe, aposentou-se e fora morar sozinho.
O motivo da separação era que o pai bebia muito, ficava agressivo e a mãe não o suportava. Com a maioridade dos
filhos, houve a separação e o pai ficou só.
Recentemente,
fora atendimento pelo Resgate do Corpo de Bombeiros porque tivera um mal súbito
e desmaiara na via pública. Após o atendimento fora diagnosticado como tido um
AVC.
A
partir desse fato, os familiares, que até essa data estavam alheios à sua vida,
passaram se importar a com ele.
O
filho relatou que apesar de morarem muito próximos, pouco contato tinham com
ele. Só ficara sabendo do ocorrido porque os policiais bem como o hospital onde
fora atendido, perguntaram-lhe o nome de parentes próximos bem como endereço deles.
Ficaram
sabendo que o motivo do mal súbito fora um mini AVC e que, provavelmente, já
tivera outros anteriores. Também não descartaram a hipótese de ser acometido
por outros futuros.
Assim,
os familiares, sem consultarem a opinião do próprio interessado, entraram com o
pedido de interdição para gerirem sua vida e seus haveres. Esses, constituídos
de um imóvel e de sua aposentadoria.
O
interditado, ora entrevistado, discordava totalmente dessa decisão unilateral
já que, com a separação da antiga mulher, havia formado nova família com nova
companheira em com ela tivera mais dois filhos. Essa agora, sim, era a sua
família.
Era
possível notar-se que, quando questionado e podendo fazer suas raras
ponderações, exaltava-se, irritava-se com o filho e mostrava certo tremor nos
membros superiores.
O
filho também relatou que após o acidente, esteve na casa do pai e ficou
estarrecido com o que lá viu. Seu pai é um colecionador. Tudo o que acha ou vê
pela rua, leva para a sua casa como um troféu ou algo que, futuramente, poderá
ter alguma utilidade.
Foram
necessárias três viagens completas, por um caminhão, para que se removesse
totalmente o entulho e objetos colecionados pelo pai ao longo desse período.
No
catálogo internacional de doenças (CID-10), esse transtorno é caracterizado por
ideias obsessivas ou por comportamentos compulsivos recorrentes. Os
comportamentos e os rituais compulsivos são atividades estereotipadas
repetitivas. O sujeito não tira nenhum prazer direto da realização destes atos,
os quais, por outro lado, não levam à realização de tarefas úteis por si
mesmas. O comportamento compulsivo tem por finalidade prevenir algum evento
objetivamente improvável, frequentemente implicando dano infligido ao sujeito
ou causado por ele, que ele, teme que possa ocorrer. O sujeito reconhece
habitualmente o absurdo e a inutilidade de seu comportamento e faz esforços
repetidos para resistir-lhe. O transtorno se acompanha quase sempre de
ansiedade. Essa ansiedade se agrava quando o sujeito tenta resistir à sua
atividade compulsiva.
No
decorrer da Anamnese o psiquiatra diagnosticou-o como portador de demência
vascular, classificando-o como 01.0 que é Demência Vascular de Início Agudo que
se desenvolve usual e rapidamente em seguida a uma sucessão de acidentes
vasculares cerebrais por trombose, embolia ou hemorragia. Em casos raros, a
causa pode ser um infarto único e extenso.
Em
vista desse diagnóstico, o psiquiatra, houve, por bem, em acatar os argumentos
inseridos na petição de interdição, dando-o como incapaz de responder por seus
atos civis. Consequentemente, com esse parecer, a interdição se consumará.
A
parte médica estava pronta. Faltava a familiar e social.
O
filho insistia na interdição total do pai, para que pudesse gerir seus
negócios. Esse negócio consiste no recebimento de sua aposentadoria e,
consequentemente, por seu livre arbítrio fazer dela o que quiser. As
prioridades financeiras dependeriam totalmente de seu direcionamento.
A
ex-mulher prontificara-se apenas para lavar suas roupas e nada mais.
O
filho disse que ele poderia fazer as refeições em sua casa; porém, deveria
respeitar os horários dele e de sua família.
Quanto
à casa, quer vende-la sem que os dois outros filhos, de seu segundo casamento,
tenham participação no valor. O que é ilegal.
Quando
questionado como faria para dar banho no interditado bem como fazer a troca de
suas roupas, o filho disse que, tinha muitas outras ocupações, principalmente
com sua mulher e filhos e que pouco tempo teria para essas atividades.
Questionado
para a resolução dessa pendência, sugeriu ao psiquiatra:
“Porque, então, o senhor não o
interna?”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CID-10. Organização
Mundial da Saúde, Edusp. Editora da Universidade de São Paulo, SP, 1.997.
DINIZ, Maria Helena.
Capítulo II, Da Curatela, seção I, Dos Interditos, Código Civil Anotado,
Editora Saraiva, SP, 2.005.