Portadores
de transtorno do espectro do autismo têm direito a tratamento multidisciplinar
custeado pelos planos de saúde (*)
O dia 02 de abril foi instituído como o Dia Mundial
de Conscientização do Autismo. Esta síndrome é representada por uma fita
contendo peças de quebra-cabeça e com predominância da cor azul. A fita de
conscientização representa o ato de informar as pessoas sobre o autismo e como
lidar com ele; o quebra-cabeça significa a complexidade do autismo e a cor azul
indica sua maior incidência no sexo masculino.
O Transtorno do Espectro Autista
(TEA) envolve diversas patologias que prejudicam o desenvolvimento neurológico
e apresentam três características: dificuldade de socialização, de comunicação
e comportamentos repetitivos. Essas síndromes apresentam escalas de severidade
e de prejuízos diversas.
Dentre tais transtornos, o autismo é
o que acomete mais os meninos e caracteriza-se, especialmente, pela inabilidade
na interação social, como dificuldade em fazer amigos, em expressar emoções,
podendo não responder a contato visual ou evita-lo; dificuldade de comunicação
eficiente e comprometimento da compreensão, além de prejuízos comportamentais,
como movimentos repetitivos e diversas manias.
Os primeiros sinais do autismo
geralmente são observados pelo pediatra, que acompanha o desenvolvimento motor
e cognitivo da criança. Após tal identificação, os pais são orientados a
procurar um médico da área psiquiátrica ou neurológica para fazerem o
diagnóstico. A partir daí estes profissionais prescrevem tratamentos que
abrangem especialistas que trabalham em conjunto e com avaliações periódicas da
criança e por um longo período.
Os profissionais que habitualmente
fazem parte dessa equipe multidisciplinar são o psiquiatra ou neurologista
infantil, psicólogo, psicopedagogo, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta
ocupacional.
A comunidade médica esclarece que o
portador de autismo sofre de um distúrbio incurável, mas especialmente naqueles
com grau leve, os sintomas podem ser substancialmente reduzidos caso recebam o
tratamento adequado o mais cedo possível, proporcionando-lhe condições de conduzir
a vida de forma mais próxima da normalidade.
A lei
9.656/98, que dispõe sobre planos e seguros saúde, determina cobertura
obrigatória para as doenças listadas na CID 10 – Classificação Estatística
Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde, que se trata de
uma relação de enfermidades catalogadas e padronizadas pela Organização Mundial
de Saúde.
A CID 10, no capítulo V, prevê todos
os tipos de Transtornos do Desenvolvimento Psicológico. Um destes é o
Transtorno Global do Desenvolvimento, do qual o autismo é um subtipo.
Da mesma forma,
a lei
12.764/12, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa
com Transtorno do Espectro Autista, prevê em seus artigos 2°, III e 3°, III,
“b” a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional ao
paciente diagnosticado com autismo.
Vale ainda
mencionar os artigos 15 e 17 do Estatuto
da Criança e do Adolescente, que garantem o direito ao respeito
da dignidade da criança, bem como a inviolabilidade da integridade física,
psíquica e moral.
Fica claro, assim, que a legislação
atual garante cobertura a diversos transtornos do desenvolvimento, inclusive ao
autismo, e ao tratamento que o beneficiário do plano de saúde necessita, quais
sejam, as sessões multidisciplinares de fisioterapia, psicologia,
fonoaudiologia, dentre outras.
No entanto, as operadoras e
seguradoras de saúde limitam o acesso do beneficiário a apenas algumas sessões
multidisciplinares anuais. Ocorre que, referido tratamento, demanda longo
período de acompanhamento do paciente, sendo insuficiente a cobertura de apenas
algumas sessões.
O argumento utilizado pelas empresas
de planos de saúde para tal restrição está no Rol da ANS – Agência Nacional de
Saúde Suplementar, que determina a cobertura a poucas sessões de terapias.
Ocorre que, conforme entendimento do
Poder Judiciário, esse Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde não se trata de
uma listagem taxativa, mas sim da cobertura mínima obrigatória que deve ser
prestada pelos planos privados de assistência à saúde.
Desta forma, tal argumento de seguir
o que consta no referido rol da ANS não prevalece, eis que uma listagem emitida
por órgão regulador não pode se sobrepor à lei 9.656/98, ou seja, não pode
limitar o que a lei não restringiu.
Não se olvide, ainda, que o médico é
o responsável pela orientação terapêutica ao paciente, de forma que se a
enfermidade necessita de tratamento prolongado e o profissional assistente não
limitou a quantidade de terapias, não pode o plano de saúde pretender
limitá-las.
Nesse sentido, vale ressaltar o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
"Ao prosseguir nesse raciocínio,
conclui-se que somente ao médico que acompanha o caso é dado estabelecer qual o
tratamento adequado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade
que acometeu o paciente. A seguradora não está habilitada, tampouco autorizada
a limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do
segurado, sob pena de colocar em risco a vida do consumidor. Ora, a empresa não
pode substituir-se aos médicos na opção terapêutica se a patologia está
prevista no contrato.
(...)
Ao propor um
seguro-saúde, a empresa privada está substituindo o Estado e assumindo perante
o segurado as garantias previstas no texto constitucional. O argumento
utilizado para atrair um maior número de segurados a aderirem ao contrato é o
de que o sistema privado suprirá as falhas do sistema público, assegurando-lhes
contra riscos e tutelando sua saúde de uma forma que o Estado não é capaz de
cumprir. (REsp nº 1.053.810/SP – 3ª Turma –
Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 17/12/2009)"
Importante mencionar, ainda, por
analogia, a súmula 302 do Superior Tribunal de Justiça, que assim determina:
"É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a
internação hospitalar do segurado"
Ora, se nem mesmo os dias de
internação podem ser limitados, o que gera muito mais despesas para as
operadoras e seguradoras de planos de saúde, não há razão alguma para se
limitar sessões relacionadas ao tratamento multidisciplinar do paciente
autista.
Necessário ressaltar que essa postura
abusiva das empresas de planos de saúde tem sido repelida pelo Poder
Judiciário, que tem deliberado em favor dos pacientes, a fim de obterem o
tratamento médico adequado, sem limitação na quantidade de terapias
necessárias.
Vale destacar, ainda, que muitos
profissionais indicam tratamento do autismo com o método A.B.A. (Applied
Behavior Analysis, na sigla em inglês), ou seja, Análise do Comportamento
Aplicada, em que o terapeuta analisa o comportamento verbal e não-verbal do
paciente para aplicar os princípios desta técnica, a fim de auxiliar a criança
a desenvolver habilidades sociais, de comunicação, dentre outras.
E aqui o consumidor se depara com
outro problema, eis que nem todo convênio médico dispõe de profissional que
atenda com referido método.
Para guiar casos como este, a Agência
Nacional de Saúde – ANS, editou a Resolução Normativa nº 259 que regula a
obrigatoriedade de cobertura do procedimento fora da rede credenciada:
"Art. 4º Na hipótese de
indisponibilidade de prestador integrante da rede assistencial que ofereça o
serviço ou procedimento demandado, no município pertencente à área geográfica
de abrangência e à área de atuação do produto, a operadora deverá garantir o
atendimento em:
I - prestador não integrante da rede
assistencial no mesmo município; ou
II - prestador integrante ou não da
rede assistencial nos municípios limítrofes a este.
§ 1º No caso de atendimento por
prestador não integrante da rede assistencial, o pagamento do serviço ou
procedimento será realizado pela operadora ao prestador do serviço ou do
procedimento, mediante acordo entre as partes."
Observa-se, assim, que inexistindo na
rede credenciada um profissional habilitado a tratar determinada enfermidade,
como neste caso da terapia A.B.A., o beneficiário pode buscar a respectiva
assistência fora da rede, devendo a seguradora efetuar a devida cobertura
mediante reembolso do valor gasto.
Portanto, qualquer restrição que se
faça ao tratamento multidisciplinar necessitado pelo portador de transtorno do
espectro do autismo se mostra abusiva, pois contraria a legislação vigente.
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