Caros todos. Bem Vindos

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domingo, 18 de setembro de 2011

DIVERSIDADE SEXUAL E HOMOFOBIA



DIVERSIDADE SEXUAL E HOMOFOBIA

Caros todos.
Se eu disser que aqueles beijaços exibidos entre pessoas do mesmo sexo na abertura da palestra de ontem (17/09/2011), proferida pelo psicólogo FAUSTO MARTINS GENATOMASSE que, valorosa e dignamente, mantém em São José do Rio Preto o “Centro de Referência em Direitos Humanos - LGTB”, realizada na Faculdade de Psicologia de Garça não me chocou, estaria mentindo.
Chocou sim.
Não posso deixar de reconhecer que vivemos num país preconceituoso e racista e que isso contribuiu na minha educação. Então, de certa forma, incomodou, sim, aqueles beijos. Mas, como “camaleão social” que sou, me adapto. É questão de tempo. Estudo e me esforço para isso.
Poderia escrever aqui, durante horas. Poderia gerar inúmeras páginas; mas, pretendo ser conciso e criar um texto com uma análise crítica e opinar de forma construtiva.
O tema central da palestra foi o preconceito existente nos dias de hoje contra as pessoas que tem orientação (e não opção/preferência) sexual diversa da dos heterossexuais.
Esse é o cerne da questão: O preconceito.
 A mudança desse preconceito não é questão a ser simplesmente resolvida em debates acadêmicos.  Ela é bem mais complexa. É cultural, educacional e, fatalmente, passa pela questão legal.
Tanto a nossa Constituição Federal quanto nosso Código Civil, que regem absolutos todos os cidadãos brasileiros, sem exceção, precisam ser mudados por que, em seu bojo, trazem a definição legal da forma como é constituída a família: pela união de um homem e uma mulher. 
A Constituição Federal, em seu artigo 226, § 3º (parágrafo terceiro), fala que o Estado dará proteção à união entre HOMEM e MULHER; Já o artigo 1.514 do Código Civil preconiza que o casamento se realizará no momento em que o HOMEM e a MULHER manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.
Então, pela legalidade há uma distinção de gêneros: Homem e Mulher.
Na palestra de ontem, a parte mais interessante, foi o embate havido entre o palestrante e a professora de Direito Civil e Direito Processual Civil da Faculdade de Direito de Garça, a Doutora e Mestra Elaini Luizari Garcia que, com muita propriedade e parcimônia, defendeu a questão legal vigente hoje no Brasil.
No intervalo, não pude deixar de ouvir a colocação que a colega de classe Marcela disse: “O pessoal do Direito é muito racional”.

Ela tem razão no seu modo de pensar.
Nós, operadores do Direito, durante todo o curso na Faculdade, somos ensinados, doutrinados e treinados para agir de forma racional. Depois, na vida prática, fazemos a interpretação da letra fria e morta da lei e a aplicamos nas lides forenses. É assim que funciona.
Enfim, aprendemos a máxima: a lei foi feita para ser cumprida.
Ainda bem que isso não é de forma unânime. Existem conflitos de interesses que acabam em controvérsias; e, essas, em julgamentos posteriores em instâncias superiores, as quais geram jurisprudências e as chamadas súmulas vinculantes.
Exemplo disso, gerando grande repercussão nacional, foi o anulamento de uma união civil feita por pessoas do mesmo sexo em Goiana - GO, pelo juiz corregedor dos Cartórios das Pessoas Naturais de lá, logo após o STF ter reconhecido a união de pessoas do mesmo sexo. Ele justificou sua atitude dizendo que estava cumprindo a Lei (a C F), por que nela está expresso que a união é entre duas pessoas de sexos diferentes (Homem e Mulher). Seguiu-se decisão semelhante por um juiz de Presidente Prudente - SP.
Isso precisa ser mudado.
Se não mudar, não estaremos contribuindo para a solidificação de um dos princípios constitucionais mais almejados: o Princípio da Isonomia.
Sabemos que a evolução histórica ocorre quando o comportamento individual, inserido no contexto social, provoca mudanças no funcionamento das instituições.
Então, se ficarmos presos a conceitos, sem questioná-los, ficaremos atados e inertes, dogmatizados, normatizados e servilmente obedientes.
Japiassu  questiona a coloção de Skinner por ter buscado na biologia a caução científica para sua teoria do comportamento humano, resultando numa ideologia a serviço do poder instituído. Segundo ele, “As leis são úteis para aqueles que devem submeter-se a elas, pois elas precisam os comportamentos a ser evitados; e são úteis àqueles que as fazem respeitar, pois especificam os comportamentos a serem punidos”.  (JAPIASSU, H. “A Psicologia dos Psicólogos”, “O Espaço Epistemológico da Psicologia”, p. 46, Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Rio de Janeiro, 1.983).
A nossa Constituição Federal consagra a dignidade da pessoa, a liberdade e a igualdade como princípios fundamentais. Além de vedar discriminações de qualquer ordem, assegura o pleno exercício dos direitos de cidadania a todos. Mas cabe à legislação infraconstitucional o encargo de dar efetividade às suas diretrizes, princípios e normas.
Deste encargo não pode furtar-se o legislador, sob pena de descumprir o mandato que lhe outorgamos, de incluir no sistema jurídico todos os direitos merecedores de tutela. A falta da lei não significa ausência de direito e nem pode deixar ninguém à margem da tutela estatal. A democracia é o direito de todos, não só da maioria.
Aliás, as minorias, alvo do preconceito e da discriminação merecem tutela diferenciada e mais atenta para terem seus direitos reconhecidos.
Em recente decisão do Supremo Tribunal Federal, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (em 05.05.2011), por votação unânime, reconheceu as uniões de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. O julgamento deu interpretação ao art. 1.723 do Código Civil conforme a Constituição Federal para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida essa como sinônimo perfeito de “família”.
Este reconhecimento será feito, doravante, segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.
O julgamento transformou-se em marco histórico. A Corte Suprema não se substituiu ao legislador, não legislou. Simplesmente cumpriu o encargo que lhe é conferido pela Constituição de suprimir as lacunas no sistema legal (a já citadas jurisprudências). Tanto que os julgadores incitaram o Legislativo a cumprir o seu papel.
Como se trata de decisão definitiva de mérito em ação direta de inconstitucionalidade, sua eficácia contra todos e seu efeito vinculante não diz apenas aos demais órgãos do Poder Judiciário, mas também à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (CF, art. 102, § 2º).
Deste modo, é imperiosa a criação de mecanismos legais para assegura direitos, criminalizar posturas homofóbicas e impor a adoção de políticas públicas para assegurar a inserção de homossexuais, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais no âmbito de tutela do sistema jurídico. Ninguém duvida que exista um direito subjetivo à livre orientação sexual e à identidade de gênero. Via de consequência há o dever jurídico de esse direito ser reconhecido e respeitado. No entanto, por se tratar de segmento alvo também de perseguição religiosa, está sujeito à marginalização e à exclusão social. E, como todos os segmentos sociais vulneráveis, merece regras protetivas diferenciadas.
A forma que o estado moderno tem encontrado para assegurar visibilidade e segurança a quem é alvo do preconceito e discriminação é instituir microssistemas com a imposição de normas afirmativas. Daí o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança, do Idoso e da Igualdade Racial.
A edição de legislação especial, não afronta o princípio da igualdade. Ao contrário, o consagra, pois é o tratamento diferenciado que garante a isonomia.
Não é de hoje que a OAB, uma das instituições mais respeitadas e aprovadas pela sociedade civil, toma a si a tarefa de defender e fazer respeitar os direitos dos cidadãos brasileiros. Sendo assim, fazendo uso dessa prerrogativa é que o Conselho Federal da OAB, em audiência pública realizada dia 22 de março de 2011, aprovou a constituição da Comissão Especial da Diversidade Sexual, que foi criada pela Portaria 16/2011 de 15 de abril de 2011 com o compromisso de qualificar os advogados e elaborar o Estatuto da Diversidade Sexual.
São estes os referencias que concedem legitimidade à Ordem dos Advogados do Brasil para encaminhar ao Congresso Nacional o mais arrojado projeto legislativo apresentado neste século, quer pela sua abrangência, quer pelo seu significado de retirar da invisibilidade jurídica, do descaso social e da intransigência de muitos, pessoas que precisam ter garantido o direito de viver, de amar e de ser feliz, seja qual for a sua orientação sexual ou identidade de gênero.
A falta de expressa previsão vedando a discriminação em virtude da orientação sexual ou identidade de gênero deixa um número significativo de cidadãos fora do âmbito de proteção jurídica, situação que não se compatibiliza com um Estado que quer ser reconhecido como Democrático e de Direito.
O último censo revelou a existência de sessenta (60) mil famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo. Segundo o palestrante, dois (2) são mortos por dia, em razão de preconceito, segundo levantamento feito uma entidade baiana. Mas o número não importa. Apesar do preconceito de que são alvos, da perseguição que sofrem, da violência de que são vítimas, não há como condenar à invisibilidade lésbicas, homossexuais,bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais.
Assim, uma mudança significativa seria a do artigo 1.514 do Código Civil que poderia passar para: “O casamento se realiza no momento em que ambos os nubentes manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados”.
Consequentemente, mudar-se-ia diversos textos legais a começar pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o próprio Código Civil em diversos artigos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a CLT - Consolidação das Leis do Trabalho, Planos de Benefícios da Previdência Social, o Código de Processo Penal, a Lei 7.716/89 (Lei do Racismo) entre outras.
Enquanto isso não ocorre, nosso Judiciário, aos poucos, vem fazendo sua importante missão histórica. A seguir, um julgado do TRT (Tribunal Regional do trabalho) da 9ª Região - Paraná – num julgamento em que houve dano moral por discriminação quanto à orientação sexual do postulante. Confira:

Dano moral. Discriminação por orientação sexual. Inobservância dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade (sexual). A vedação à discriminação por orientação sexual no contrato de trabalho fundamenta-se na ordem constitucional que, além de erigir a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (...), impõe como objetivo primeiro a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV). (...) A sexualidade dos indivíduos diz respeito à intimidade, à vida particular de cada um e, portanto, é inaceitável permitir invasões nesta esfera (...). O tratamento no ambiente de trabalho deve ser cordial, saudável, respeitoso, fomentar o crescimento profissional e até mesmo pessoal do trabalhador (...). (TRT 9ª Região, Proc. 06952-2009-872-09-00-3, Ac. 25680-2011, 1ª T., Rel. Des. Ubirajara Carlos Mendes, p. 01/07/2011).

Para encerrar, o farei com uma frase da Dra. Maria Berenice Dias, uma das grandes autoridades brasileiras no assunto, disponível em seu site, (http://www.direitohomoafetivo.com.br), onde busquei subsídios para o presente artigo.

“Diante do silêncio do legislador, é a jurisprudência a mais importante ferramenta para assegurar a homossexuais e transexuais o exercício de cidadania. Os avanços são muitos, mas é enorme a dificuldade de acesso aos julgados que sinalizam os progressos que o direito à livre orientação sexual vem alcançando na Justiça. Daí a necessidade de formar uma grande rede de informações e disponibilizar as vitórias já obtidas pela população LGBT. Com certeza este é um compromisso de todos que acreditam na necessidade de construir o direito homoafetivo como um novo ramo do Direito. Mas, é indispensável coragem de ousar, única forma de consolidar conquistas”.

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